Poucos sabem, mas, atualmente, a Indústria dos Games movimenta mais dinheiro do que a Indústria do Cinema. Isso se dá por diversos fatores, mas principalmente pelo fato de que o tempo em que jogos de videogame eram associados apenas a adolescentes e crianças acabou. Temáticas mais maduras, sistemas mais complexos, atmosferas e ambientações fantásticas, além de histórias marcantes e bem escritas, tudo isso impulsionado pelo gigante avanço tecnológico dos últimos anos, que proporcionaram esta evolução da indústria de games e sua diversificação de públicos, e a acessibilidade tenta acompanhar esse movimento.
A Indústria dos Games é gigantesca
Hoje, o setor alcança um público extremamente amplo e diversificado, movimentando bilhões de dólares todos os anos. Sim, para se ter ideia, os games movimentaram mais de 175,8 bilhões de dólares em 2021, e esse número vem crescendo a cada ano, principalmente com a crescente demanda que foi gerada devido à pandemia da COVID-19.
Só a Nintendo, por exemplo, que será novamente citada mais adiante neste artigo, desde a data de lançamento do Nintendo Switch, em 2017, até fevereiro de 2022, vendeu mais de 103 milhões de unidades ao redor do mundo — incluindo 38 milhões de unidades somente nos EUA. E as outras empresas não ficaram para trás. Nas duas primeiras semanas após o lançamento, em 2020, a Sony vendeu 6,5 milhões de unidades do PlayStation 5.
A pandemia e as medidas de distanciamento social fizeram com que muitas pessoas passassem mais tempo dentro de casa — consequentemente, consumo de jogos, conteúdos digitais e atividades online tiveram grande aumento.
Durante a pandemia, jogar se tornou uma atividade incentivada pela OMS.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que jogar online é uma das formas mais saudáveis e seguras de se manter conectado com outras pessoas durante a pandemia. A instituição chegou a criar a campanha #PlayApartTogether (em tradução livre, #JogueSeparadoJunto) para promover o distanciamento social, e mais de 50 empresas de jogos se juntaram à causa, oferecendo descontos e jogos gratuitos durante os fins de semana.
A Indústria dos Games no Brasil
Em 2020 foram feitas pesquisas para entender melhor como o consumo de games está sendo realizado no Brasil – resultado este apresentado pela Pesquisa Game Brasil -, e foi constatado que mais de 70% dos brasileiros são adeptos a jogos eletrônicos – um público 7% maior do que o registrado em 2019.
A PGB divide o público em dois grupos: o casual, que não se considera “gamer”, mas costuma jogar e que representa 67,5% do total de jogadores; e o hardcore, que se define como “gamer” e representa 33,5%.
Ao nos aprofundarmos nos perfis desses jogadores, a pesquisa aponta que:
- A principal faixa etária é de 25 a 34 anos (35,2%) para os gamers casuais, seguida por 16 a 24 anos (39,2%) para os “hardcore gamers”.
- As mulheres são maioria entre os gamers casuais, representando 61,9% do total do público, enquanto os homens são a maioria entre os “hardcore gamers”, representando 61,3%.
- Seguindo a mesma divisão de público, 60,8% dos jogadores casuais preferem jogar pelo celular, enquanto 34,4% dos jogadores “hardcore” preferem o dispositivo móvel.
Por que pensar na acessibilidade no mundo dos games?
Levando em consideração as pesquisas acima e pensando que, no Brasil, segundo o IBGE, o número de pessoas com algum tipo de deficiência representa 6,7% da população, uma grande parte desse público carece de acessibilidade para poder usufruir com equidade dessa indústria. Ou seja, o número de pessoas com deficiência que jogam videogame, não só no Brasil, mas ao redor do mundo, é bastante alto e, por isso, é importante pensar em como tornar os jogos mais acessíveis.
Além disso, os games também fazem parte da esfera cultural e possibilitam a interação social, benefícios dos quais as pessoas com deficiência não devem ser impossibilitadas de usufruir. Entendemos que existem fatores que dificultem a priorização de acessibilidade na indústria, alguns gêneros de jogos, imprevisibilidade dos públicos e o aumento de custos sem a certeza de aumento de receita, principalmente para pequenas e médias produtoras, são certamente dificultadores da implementação mais generalizada da acessibilidade por localização. Entretanto, é difícil justificar quando empresas gigantescas como a Nintendo, que está presente por décadas no cenário nacional, inclusive com representação em diferentes mídias, ignora completamente a questão da acessibilidade de seus jogos para o público brasileiro.
Além da acessibilidade para pessoas com deficiência, nos deparamos com um outro cenário importante deste universo: praticamente todos os jogos e conteúdos relacionados a eles produzidos no ocidente e alguns produzidos no Brasil também, têm como seu idioma padrão o inglês. Porém, segundo uma pesquisa feita em 2013 pela British Council, em parceria com o Instituto de Pesquisa Data Popular, apenas 5% da população brasileira fala inglês – sendo que apenas 1% dessas pessoas é fluente no idioma.
A revolta com a falta de localização e acessibilidade
Recentemente – e agora falando novamente da Nintendo -, uma comunidade de jogadores e consumidores brasileiros do universo Pokémon fez uma grande bagunça na internet e conseguiu a atenção de pessoas influentes.
Tudo começou com a campanha que jogadores estão realizando nas redes sociais desde o domingo, 27 de fevereiro de 2022, quando o Pokémon Scarlet e Violet foram anunciados. Os fãs, cansados de não terem os jogos da franquia traduzidos para o português do Brasil, estão pedindo, mais uma vez, para que a The Pokémon Company disponibilize os jogos com localização no idioma, algo que seria inédito.
No meio de tudo isso, Juliette, vencedora do BBB 21, respondendo a perguntas e comentários dos fãs nos stories do Instagram – nesta conta, Juliette tem mais de 33 milhões de seguidores -, respondeu, em vídeo, que acha um absurdo que a franquia de Pokémon não tenha uma versão localizada para o nosso idioma.
A comunidade foi a loucura e as petições foram inúmeras. No Twitter, fãs da franquia e da própria Nintendo estão realizando uma campanha com as hashtags #ScarletVioletPTBR e #PokémonPTBR, buscando fazer com que os jogadores abram um formulário no site da The Pokémon Company para solicitar a localização em português do Brasil nos jogos, o que seria um marco já que nos sentimos esquecidos pela produtora.
O problema financeiro
Talvez algumas dessas empresas, como a Nintendo, vejam o mercado brasileiro como um mercado não muito vantajoso financeiramente para implementar e investir em inclusão.
O corte de custos na localização de seus jogos é uma realidade. Em 2016, com o intuito de padronizar a localização dos jogos da franquia Pokémon no oriente, a Nintendo fez com que uma gama de fãs se revoltasse ao decidir utilizar uma tradução unificada do mandarim para a China, Hong Kong e Taiwan, que, por incrível que pareça, mudaria também o nome de alguns dos personagens mais icônicos, como Pikachu, por exemplo.
A unificação reduz os custos de tradução e permite que a empresa use o mesmo conteúdo gráfico e de marketing para vários mercados, e também torna mais fácil garantir que a terminologia adequada esteja sendo usada, reduzindo assim a chance de os personagens de Pokémon acabarem com os nomes errados. Porém, isso também abre brecha para interpretações equivocadas de termos que possuem outros significados em certos países.
Muitos fãs têm fortes memórias de infância do jogo, e mudar os nomes dos personagens faria com que tudo isso se tornasse um incômodo.
Podemos pensar que o mesmo poderia ocorrer se a Nintendo decidisse traduzir os jogos para o português, afinal, qual idioma seria utilizado por padrão? O português brasileiro ou o português de Portugal?
São mercados totalmente diferentes – com idiomas, tratativas e culturas diferentes. Dar ouvido ao seu público específico traz retornos incríveis em todos os sentidos, e é isso que outras empresas buscam fazer nesse mercado.
Empresas que ouvem seus usuários
Enquanto algumas produtoras não ligam muito para a localização e acessibilidade de seus jogos, outras usam isso como uma solução.
Os desenvolvedores da Naughty Dog, responsável pela franquia The Last of Us, sabem bem o que é desenvolver jogos acessíveis baseados nas necessidades e experiências dos usuários.
Segundo Emilia Schatz, game designer da Naughty Dog, “para The Last of Us Part II, no que diz respeito aos recursos que queríamos incluir [de acessibilidade], as sugestões vieram dos fãs. Nós conversamos muito com eles e, eventualmente, decidimos convidá-los para o estúdio para que pudessem compartilhar com o time suas experiências e, assim, nos ajudar no processo de fazer com que nosso jogo atendesse às suas necessidades”.
Levando em consideração o cuidado e preocupação da empresa, a empatia se mostrou, mais uma vez, uma forma de se aproximar e trazer benefícios gerais a todos que consomem seu produto/conteúdo. Em um dos games mais inclusivos já lançados, a Naughty Dog traz mais de 60 recursos de acessibilidade, para além das deficiências auditivas, foram aplicadas ferramentas para melhorar a experiência de usuários com deficiências motoras e visuais. As aplicações são diversas, coisas como customização expansiva dos controles, variação de mecânicas, diferentes modos de interface, texto-para-voz e sinais de áudio e tantos outros recursos, para quem quiser saber mais sobre os modos de acessibilidade do jogo, convidamos a acessar o blog da Playstation.
As pessoas com deficiência auditiva encontram bastante dificuldades em jogos que não possuem legendas ou a tradução de sons e narrativas em textos acessíveis. Muitas situações dentro do jogo acontecem por meio de feedbacks auditivos e dão dicas para os jogadores sobre o que está por vir.
Além disso, muitos jogos online possuem chats de voz para que os jogadores possam combinar estratégias e fazer comentários durante a partida. Nessas situações, as pessoas com deficiência auditiva ficam excluídas por não possuírem ferramentas que permitam sua participação nessas conversas.
Afinal, como a acessibilidade pode ser implementada?
A acessibilidade, portanto, é um tema fundamental a ser considerado no desenvolvimento de jogos e de conteúdos relacionados a eles, e possibilita a inclusão de uma boa parcela de pessoas na base de jogadores e consumidores.
O site Game Accessibility Guidelines traz um guia de boas práticas para os desenvolvedores de jogos a fim de criar um padrão para que os jogos sejam inclusivos de alguma forma.
O guia é dividido em 3 categorias: básico, intermediário e avançado.
As categorias foram criadas levando em consideração 3 fatores:
Alcance (número de pessoas que são beneficiadas);
Impacto (a diferença que faz na vida dessas pessoas);
Valor (os custos de implementação).
Cada categoria possui subgrupos de acordo com o tipo de deficiência: motora, intelectual, visual e auditiva/fala, mas, neste caso, iremos focar apenas no ramo em que estamos inseridos como uma empresa de legendagem e tradução audiovisual: deficiências auditivas.
A Microsoft tem seu próprio guia de acessibilidade, o XAG (Xbox Accesibility Guidelines), que ajuda os desenvolvedores a criar jogos mais inclusivos e a derrubar barreiras para pessoas com deficiência que passam por uma avaliação do próprio time de acessibilidade da Microsoft.
É um grande passo para garantir não somente a acessibilidade nos jogos, mas também que os times de desenvolvedores entendam melhor como aplicar o XAG em seus produtos.
Se baseando nos três fatores da implementação da acessibilidade como uma ferramenta de inclusão, o alcance, o impacto e o valor de implementação faz com que legendar e traduzir jogos, vídeos e conteúdos referentes a eles com qualidade seja a porta de entrada para alcançar mais pessoas.
Para resumir
Apesar de muitas vezes não ser vantajoso financeiramente no curto prazo, valorizar o público fazendo uso de ferramentas de inclusão pode acarretar em grandes ganhos futuros.
A disputa por agregar uma gama cada vez maior de jogadores e consumidores de conteúdos relativos a jogos está sendo vencida por aqueles que buscam incluir todas as pessoas de forma empática.
Não basta ter uma marca ou um legado estabelecidos. Quando o assunto é alcance e inclusão, aqueles que saem na frente localizando seu conteúdo possuem uma grande vantagem e reconhecimento do mercado, principalmente por parte das comunidades consumidoras. Valorize seu público!
Artigo escrito por:
Diogo Tadeu Reis – Gerente de Mídias Sociais
Victor Franco Poli – Designer