Salut Captions

Imagem mostra cena do filme “O Auto da Compadecida" em que o personagem João Grilo, interpretado por Matheus Nachtergaele, se encontra no meio do sertão nordestino com a paisagem da vegetação seca ao fundo, levantando as duas mãos em sinal de questionamento, demonstrando confusão. Em frente aos seus olhos, há um texto com a pergunta: “Quem não ouve, assiste como?”.

Acessibilidade | Quem não ouve, assiste como?

Como é bom apreciar uma boa produção nacional. Filmes, novelas, seriados, conteúdos online, peças teatrais e tantas outras formas de apresentação de narrativas e debates que soam muito mais naturais para nós, brasileiros, por levar em conta nosso contexto ou por vezes tocar em aspectos do nosso cotidiano, por falar nossa língua e por tantas outras características que tornam importante valorizar os conteúdos produzidos em nosso país.

Infelizmente, desfrutar destas obras não é algo de acesso natural para todos os brasileiros. Quantas vezes você se deparou com sessões de cinema nacional legendadas? Quantos serviços de streaming você conhece que possuem legenda em português brasileiro nos conteúdos nacionais? Já tentou assistir a um jornal, a um debate esportivo ou a um vídeo no YouTube com legendas geradas automaticamente? É simplesmente uma experiência péssima. E isso é algo perceptível a todos nós. Pois é, e esses são alguns dos obstáculos que surdos e ensurdecidos que vivem no Brasil enfrentam para tentar consumir conteúdos nacionais. Seja na telona, na TV, no celular ou no seu monitor, o leque de opções é restrito.

Toda a parcela de surdos e ensurdecidos (são mais de 10 milhões de pessoas com algum problema relacionado à surdez, cerca de 5% população brasileira) não consegue aproveitar o cinema como nós, que consideramos o formato entregue pelos distribuidores de conteúdo compreensível e aceitável por conta do auxílio do áudio. E isso não acontece apenas no cinema. Na internet, o conteúdo muitas vezes utiliza recursos de legenda automática, o que gera frustração e incômodo durante a visualização do vídeo, seja ele informativo ou recreativo.

Uma Campanha Necessária

Percebendo toda essa experiência negativa após ir ao CINE-PE – Festival de Audiovisual 2004, na cidade de Recife/PE, para assistir a vários filmes nacionais, Marcelo de Carvalho Pedrosa, que possui deficiência auditiva com grau profundo, mas obtém um grande ganho com uso de aparelho, se sentiu excluído e idealizou o movimento Legenda para quem não ouve, mas se emociona, da Legenda Nacional.

 

É uma campanha que pauta a necessidade de legendas em produções nacionais, principalmente para filmes e peças teatrais, além de conteúdos em TV aberta como novelas, jornais, programas esportivos, séries e outros. Incentivamos o acesso ao abaixo-assinado da campanha para mais informações e para obter acesso a todo o conteúdo de vídeos criados por eles, totalmente acessíveis e com relatos muito ricos sobre o cotidiano e as dificuldades do surdo no cinema e no mundo digital.

Quando se Percebe a Necessidade da Acessibilidade

Um dos momentos da história atual que mais levantou questões e bandeiras em prol de projetos como esse foi a pandemia da Covid-19. Com o lockdown, muitos canais novos foram criados e muitos outros alcançaram grande visibilidade devido à popularização e incentivo do consumo do audiovisual na internet.

De acordo com um estudo recente da Kantar IBOPE Media, o Inside Video, com resultado lançado em 04 de março de 2021, só em 2020, 80% dos brasileiros assistiram vídeos online gratuitos e cerca de 204 milhões de brasileiros assistiram televisão. Mas não para por aí. No mesmo ano, foram registradas 38 das 50 maiores audiências dos últimos cinco anos. As pessoas passaram, em média, 30% a mais de tempo buscando e assistindo canais de notícias.

Um dos picos de audiência geral ocorreu justamente no dia 24 de março de 2020, mesmo dia em que foram anunciadas notícias impactantes como o fechamento do comércio em todas as capitais do país, o adiamento da Olimpíada de Tóquio e o alerta da OMS colocando os EUA como novo epicentro mundial da pandemia de Covid-19.

Atualmente, a informação chega com muito mais agilidade às mídias e às redes sociais, mas a tecnologia e o incentivo à inclusão não conseguem acompanhar esse avanço avassalador.

A Luta é Constante

No vídeo, “COMO É A ACESSIBILIDADE PARA SURDOS NA PANDEMIA?”, produzido pela Legenda Nacional, esse assunto é pautado e questionado aos consumidores e produtores de conteúdo audiovisual. São relatos de pessoas que têm a necessidade de inclusão por justamente conviverem com a surdez, direta ou indiretamente – e por esse motivo querem e precisam ser notadas.

Alguns temas-chave criam o roteiro do vídeo, e perguntas direcionadas ao público surdo surgem e nos fazem refletir bastante sobre como a acessibilidade é tratada em âmbito nacional. São perguntas que levantam a falta de uma legenda padronizada, com formatação e ortografia corretas para compreensão plena do que está sendo transmitido em vídeo, além de curiosidades sobre como o público surdo consome conteúdos no cinema, na TV e na internet.

Separamos alguns trechos do vídeo em forma de texto, com as devidas citações, que mostram alguns dos principais pontos que refletem exatamente o que queremos exemplificar neste artigo.

Quando perguntados pelo professor de Libras Igor Rocha, entrevistador do vídeo, se mesmo sem poder ir ao cinema e ao teatro por causa do isolamento social a comunidade surda consegue compreender o conteúdo exibido nos audiovisuais, Flávia Lima, tradutora e intérprete de Libras, responde: “Sim, eu sou ouvinte e já fui diversas vezes ao cinema com vários amigos surdos e é bem complicado, porque é difícil ter legenda. Só nos filmes de fora. Os filmes aqui do Brasil, nacionais, não têm. Isso dificulta, né?! […] Eu vejo que, por exemplo: a televisão também deixa a desejar. Eu vejo que as legendas aparecem atrasadas, se comparadas às falas orais, fugindo do contexto da cena. É bem falho mesmo.”

Imagem retirada do vídeo “COMO É A ACESSIBILIDADE PARA SURDOS NA PANDEMIA?” que apresenta Flávia Lima, tradutora e intérprete de Libras. Mulher branca com cabelos descoloridos e verde. Usa a camisa da campanha “Legenda para quem não ouve, mas se emociona”. No trecho da cena, a legenda: "Só nos filmes de fora."
Imagem retirada do vídeo “COMO É A ACESSIBILIDADE PARA SURDOS NA PANDEMIA?” que apresenta Flávia Lima, tradutora e intérprete de Libras.

Andrei Borges, YouTuber, comenta: “[…] existem diversos conteúdos diferentes, como comentários sobre futebol no SporTV, que eu gosto de acompanhar, mas fico sempre perguntando para o meu pai o que estão falando, porque não tem legenda, e é bem ruim isso! Já canais como a Globo, Band e Record têm legendas. Mas e o SporTV?”.

Gabriel Isaac, YouTuber e designer gráfico, faz um relato que logo de cara nos abre os olhos para o principal obstáculo que os surdos enfrentam diariamente. “Eu não tenho liberdade de escolher o que vou assistir. Assisto apenas o que tem legenda.”, diz Gabriel.

Imagem retirada do vídeo “COMO É A ACESSIBILIDADE PARA SURDOS NA PANDEMIA?” que apresenta Gabriel Isaac, YouTuber e designer gráfico. Homem branco, de cabelos lisos, pretos e desgrenhados. Usa óculos de grau, bigode, barba e uma camiseta preta contendo a seguinte frase: "Lute como um surdo." No trecho da cena, a legenda: "Eu não tenho liberdade de escolher o que assisto..."
Imagem retirada do vídeo “COMO É A ACESSIBILIDADE PARA SURDOS NA PANDEMIA?” que apresenta Gabriel Isaac, YouTuber e designer gráfico.

Percebemos que a falta de acessibilidade nos audiovisuais nacionais é uma realidade vivida por todos da comunidade surda brasileira. O acesso à cultura e ao aprendizado se torna limitado quando os conteúdos relacionados a esses temas, e muitos outros, não são devidamente legendados.

Muito do que é essencial acaba se perdendo por falta de acessibilidade. Uma simples ida ao cinema com os amigos não é apenas “uma simples ida ao cinema com os amigos”. É um momento de conexão, algo que enriquece a saúde social, que traz e gera cultura, conhecimento, movimenta o mercado e enriquece as relações.

No segundo trecho do vídeo, Igor Rocha pergunta se os entrevistados conseguem acompanhar a legenda ao vivo ou automática nos aplicativos e qual a opinião deles sobre esse recurso, lembrando que, apesar de tudo, ainda podemos contar, até certo ponto, com legendas automáticas.

É aí que entra Léo Viturinno, professor e YouTuber, respondendo: “Primeiramente, eu sou muito grato à pessoa que criou a legenda automática, por que isso foi um passo inicial, mas que precisa ser melhorado com o avanço do tempo e da tecnologia. No entanto, eu não confio totalmente no que a legenda automática transmite.” 

Imagem de um programa de debates esportivos sendo exibido no YouTube com legendas automáticas em português brasileiro. À esquerda superior da imagem, há a escalação de um time de futebol. À direita, há três pessoas sentadas com dois telões atrás, onde um comentarista participa do debate virtualmente. Na parte inferior central da imagem, há uma legenda gerada automaticamente com diversos erros de ortografia. A legenda diz: “esse equilíbrio aí do Hulk como eu Hulk e a gente conta também tudo que ele”. No canto inferior direito do vídeo, há o ponteiro do mouse sobre a opção de legenda em português gerada automaticamente, demonstrando que o vídeo não possui legenda produzida de forma manual. Abaixo do reprodutor de vídeos há o título: “Quem entra na seleção do primeiro turno do brasileirão? Seleção palpita”.
Imagem de um programa de debates esportivos sendo exibido no YouTube com legendas automáticas em português brasileiro.

Flávia Lima tem uma visão bastante parecida com a de Léo. Ela também reconhece as falhas da legenda automática e reforça: “A legenda automática, tanto no YouTube como na TV, não acompanha o tempo das falas. Também tem muitos cortes e palavras fora do contexto. Não é correto porque não dá para acompanhar o conteúdo perfeitamente. Alguns canais no YouTube têm legenda manual, que é o certo. Mas a automática, não dá.”

Tainá Borges, estudante e influenciadora digital, diz: “Até hoje, ainda não conheci um surdo que goste da legenda automática. A maioria não concorda com esse mecanismo porque não é útil para acompanhar o conteúdo. E isso é fato!”

O cineasta e YouTuber Germano Dutra Jr., responde: “Eu prefiro que as notícias, depois de serem transmitidas ao vivo, sejam legendadas manualmente de forma correta. Assim, é possível acompanhar o conteúdo pela legenda. Eu prefiro.”

Os relatos dos entrevistados reforçam a necessidade de uma legenda de qualidade, compreensível e com padrões determinados para que os conteúdos possam ser acompanhados de maneira clara. Apesar de a tecnologia estar avançando e melhorando a cada dia os aspectos das legendas automáticas, uma legenda revisada manualmente garante a qualidade e a entrega do que está sendo transmitido. Mesmo que o conteúdo leve um pouco mais de tempo para ser publicado, a espera é recompensadora pela qualidade da informação que chega até nós.

É como Léo Viturinno ressalta em uma de suas respostas: “Eu já pedi para alguns famosos YouTubers ouvintes para colocarem legenda nos seus vídeos e os fãs costumam responder: ‘Ei, mas tem sim, é só ativar a legenda automática.’ Ué?! Não consigo entender porque eles me mandam usar a legenda automática, sendo que eles nunca nem viram como é. Eles poderiam conferir antes, aí saberiam que é cheia de falhas e melhor do que falar sem conhecer, sabe?!”

Nunca é Tarde Demais

A acessibilidade para surdos e ensurdecidos é algo extremamente importante que, infelizmente, é ignorado ou postergado pela maioria dos criadores de audiovisual nacionais. A legenda e a acessibilidade num geral são pensadas de forma secundária na formulação de praticamente todo e qualquer projeto, seja ele virtual, cinematográfico ou televisivo.

Em nosso artigo Acessibilidade, amor, carinho e empatia, abordamos esse assunto e reforçamos a necessidade desse cuidado e respeito ao próximo. Pensar na acessibilidade como parte fundamental de todo projeto desde o início da ideia de sua criação é algo necessário.

Apesar de não terem pensado na acessibilidade como uma prioridade, as plataformas de streaming estão buscando se adequar às leis para consumo de conteúdos audiovisuais, além de tentarem melhorar sua imagem e percepção frente aos diferentes grupos de públicos alcançados.

No dia 24 de julho de 2020, a Globoplay lançou uma nova função para seus assinantes: legendas CC em português de tudo que está sendo dito nas cenas das atrações originais da emissora. A legenda CC, ou Closed Captions, é um sistema de legendas já disponível na TV aberta brasileira. É um auxílio e um passo importante em direção à inclusão, mas ainda não é o ideal, pois falta o refino e o cuidado da legenda feita manualmente.

O serviço de streaming ainda promete melhorar em breve os recursos de acessibilidade e incluir também a opção de legendas descritivas em que devem ser explicitadas informações de efeitos sonoros, música, sons do ambiente, silêncios significativos e etc. Essa legenda, sim, é a ideal para a compreensão total da cena, pois traz consigo informações que transmitem emoção e significado.

É preciso levantar a bandeira e fazer desse tema algo visível para a sociedade. São pessoas que estão sendo afetadas pela falta de empatia e carinho na criação de conteúdos audiovisuais.

Como é a legislação brasileira?

Apesar de parecer algo que deve ser considerado inato da constituição, a legislação brasileira ainda está muito atrasada em relação às normas e leis que regem a forma como as empresas e os criadores de conteúdo devem atender a parcela surda da população.

No dia 18 de setembro de 2016, Marcelo Pedrosa, o mesmo idealizador da campanha “Legenda para quem não ouve, mas se emociona”, participou de um protesto em frente a um cinema na Zona Sul do Recife juntamente com outras pessoas com diversidade sensorial que se sentiram indignadas com a falta de legendas nos filmes dublados e nas produções nacionais. Frases como “Sem legendas para os surdos é igual a sem áudio para os ouvintes” e “Sou surdo e mereço estar excluído pelos filmes sem legenda?” estavam estampadas em cartazes.

Alguns dias após o protesto, mais precisamente no dia 28 de setembro de 2016, a Lei 15.896 foi publicada no Diário Oficial do Estado de Pernambuco. A alteração da lei “determina a adoção de linguagem compreensível às pessoas com deficiência auditiva ou visual em peças teatrais e nas exibições de filmes nacionais e estrangeiros nos cinemas localizados no âmbito do Estado de Pernambuco”.

Em 19 de dezembro de 2020, foi criada a Lei da Acessibilidade nº 10.098, que traz regras para promover a acessibilidade para surdos e pessoas com outras diversidades sensoriais. Em resumo, ela traz diversas normas que buscam dar condições de acesso, circulação e comunicação às pessoas com deficiência. Esse foi o início da criação de diversas outras leis de acessibilidade e inclusão, como a Lei de Libras (Lei 10.436) e a regulamentação do exercício da profissão de Tradutor e Intérprete da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS (Lei 12.319).

Foi um grande avanço para a sociedade como um todo, mas ainda há muito mais o que ser feito. Além das Leis que regulamentam e determinam a adoção de linguagens que viabilizem a acessibilidade, há também o problema da regulamentação e da concorrência desleal e a precarização do trabalho de profissionais brasileiros que atuam no mercado nacional de legendagem.

Na primeira semana de junho de 2022, foi protocolado na Câmara dos Deputados um projeto de lei que visa a valorização do mercado nacional, que sofre com a concorrência desigual em relação a profissionais que atuam no exterior.

“De um lado você tem empresas estrangeiras que buscam mão de obra fora do país, esvaziando a oferta de serviço para a indústria nacional. De outro, as empresas estrangeiras contratam diretamente os profissionais no Brasil, sem nenhum respeito às regras trabalhistas e regulatórias, pagando muito menos pelo serviço, o que empurra os profissionais para a precarização”, pontua o Deputado Federal Pedro Paulo, responsável pelo Projeto de Lei.

Mais informações sobre o projeto podem ser acompanhadas na matéria da Estéfane de Magalhães, “Projeto de Lei quer garantir que legendas e dublagem de filmes e séries sejam realizadas no Brasil”, para o jornal Diário do Rio, de onde retiramos a citação acima.

Como a Salut Captions faz?

A Salut Captions entende o mercado de legendagem e acessibilidade audiovisual como ninguém, respeitando as normas da indústria nacional e internacional, proporcionando a valorização dos profissionais que lutam junto com a gente.

Possuímos uma equipe treinada para acessibilizar conteúdos audiovisuais para o público de surdos e ensurdecidos através da produção de Closed Captions e LSE (legenda para surdos e ensurdecidos). Além da legendagem acessível, trabalhamos em parceria com intérpretes e consultores cegos e surdos para a produção de Libras e audiodescrição para os mais diversos materiais, como peças publicitárias, filmes, séries, documentários, etc.

Como parte fundamental da viabilização da acessibilidade enquanto legendadores, buscamos sempre estar inseridos em causas e campanhas que valorizem a conscientização em prol de conteúdos acessíveis.

Estamos engajados e buscando parcerias importantes no âmbito da legendagem, enriquecendo nosso blog, nossas redes sociais e nosso perfil no LinkedIn com artigos, estudos, conteúdos e muito mais sobre acessibilidade, dando visibilidade para aqueles que têm a mesma vontade que nós. Por isso, mais uma vez, voltamos a convidá-lo(a) a acessar o abaixo-assinado da campanha Legenda para quem não ouve, mas se emociona

Esperamos, de coração, que o sonho de transformar todo e qualquer conteúdo audiovisual acessível se torne realidade, e estamos nessa luta juntos.

Artigo escrito por:

Diogo Tadeu Reis – Gerente de Mídias Sociais

Victor Franco Poli – Designer

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